quarta-feira, 11 de junho de 2008

Anos Dourados


Todo mundo conhece um. Às vezes ele é japonês, às vezes ele é gordo, às vezes tem espinhas, às vezes tem os três ao mesmo tempo e ainda põe o dedo no nariz. Mas aqueles garotos que sempre sentam no fundo da sala e passam o recreio com o mais novo video game portátil que a sua tia trouxe lá da puta que pariu me deixavam um pouco admirado.

Era mais ou menos entre a quinta e a sétima série que era mais comum do fenômeno acontecer. O garoto ficava no fundo da sala jogando seu portátil, que quase sempre era uma versão nova do Game Boy. Aos poucos, os outros garotos da sala de aula começavam a reparar em como ele estava vidrado no jogo, se o ano era 1998, esse moleque estava jogando Pokémon antes de todo mundo e não ia demorar muito pra que todos os seus colegas de classe estivessem passando todos os recreios em volta do garoto enquanto ele prosseguia na sua jornada. Mas em outra jornada, na vida real, aconteciam várias coisas também interessantes dentro da sala de aula. Vários personagens de verdade poderiam ser criados ali mesmo, em volta do garoto:

Exista o Puxa-saco, aquele que fazia de tudo para poder jogar nem que fosse por alguns segundos, ele compraria lanches, ofereceria seus Tazos em troca, em alguns casos dinheiro e num universo mais paralelo, favores sexuais. Além do Puxa-saco, existia o Invejoso. O Invejoso era aquele moleque que antes da nova febre, era o rei das brincadeiras, sempre fazia mais gols no futebol, nunca era encontrado no pique-esconde e coisas do tipo, mas que quando o Game Boy começou a ser o centro das atenções, ele não sabia o que fazer para conseguir os olhares de seus antigos amigos novamente. Comentários como "Não sei qual é a graça nessa merdinha!" ou "Ei pessoal, vamos jogar um jogo de homem!" eram constantemente tecidos pelo garoto invejoso, mas quase ninguém se lembra, porque estavam todos olhando para a tela.

Um pouco parecido com o Invejoso é o Brincalhão Inconsequente, mas existiam algumas diferenças. O Brincalhão Inconsequente é um gozador, acima de tudo, geralmente o mais bagunceiro da sala que sempre parece ter uma piadinha preparada para qualquer aula. Sua única fraqueza é a curiosidade. Ao ver um grupo de garotos reunidos em volta de um só, o Brincalhão Inconsequente se vê na necessidade de descobrir o que está acontecendo, o que pode acabar gerando problemas. Resumindo, o Brincalhão Inconsequente é o garoto que chegava e desligava o Game Boy no meio do jogo e depois começava a rir, o dono do Game Boy não conseguia acreditar. O Puxa-saco partia para cima. O Invejoso vê o Brincalhão como um herói. E o próprio Brincalhão fica satisfeito de ter feito mais uma traquinagem, mesmo tendo levado um tabefe ou dois.

Com o passar do tempo e o aumento da febre em meio à esses jovens, em pouco tempo, todos estariam jogando Pokémon, batalhando entre si e competindo contra a própria elite do jogo. Mas o jogo logo cansa e então alguém surge com um jogo novo. O Egoísta, que é o nome do primeiro garoto, que eu havia esquecido de dar. O Egoísta sempre tem um parente distante que trás pra ele coisas de última geração e quando não se trata de emprestar um video game portátil, ele mostra todo o seu lado negro e mesquinho. Era fato conhecido por todos os outros garotos que o Egoísta tinha o melhor video game da época na sua casa e que apenas mais três ou quatro garotos também possuíam este videogame, mas os melhores jogos eram os do Egoísta. Quando um dos outros garotos tentava pedir um jogo emprestado para o Egoísta, não se poderia esperar outra resposta que não fosse: "E o que você vai me emprestar de volta?", o que é na verdade, uma das estratégias de comércio mais bem elaboradas da história. Veja, bem, o Egoísta não se importa com qual jogo um dos outros garotos-não-importantes-o-suficiente-para-ganharem-um-adjetivo-nesse-texto iriam emprestar para ele. O Egoísta só precisava de uma garantia para se sentir seguro de que não estava sendo saqueado, pois afinal de contas, ele provavelmente teria todos os jogos que os outros garotos tem.

Quando o Egoísta empresta um jogo, ele pode ser divido em duas classes diferentes: São elas, o Objetivo e o Sonso. O Egoísta Objetivo é aquele que todo dia pergunta para o garoto que está com o seu jogo "E aí, rapá? Quando você vai me devolver o meu jogo? Já fazem uns três dia, porra!". O efeito era ter o jogo o mais rápido possível doesse a quem doer, geralmente o garoto devolvia antes mesmo de ter passado do começo.

Já o Egoísta Sonso trabalhava através de bordões minuciosamente elaborados em casa e expressões de "Quem não quer nada" na frente do espelho. O Egoísta Sonso é aquele que chegava na escola todo dia perguntando: "E aí, rapá? Como é que tá o jogo? Já passou daquele chefão? E aquele outro com os espinhos?". Esse processo era repetido dia após dia. Um pouco diferente do Egoísta Objetivo, o Sonso trabalhava fazendo com que o garoto que estava com seu jogo se sentisse não só perturbado, mas também com complexo de inferiodade, pois o Sonso dá a entender que conseguiu terminar o jogo muito mais rápido do que ele. Assim como na tática do Objetivo, o jogo era devolvido antes mesmo do começo. A outra coisa que os dois Egoístas também têm em comum era o antigo hábito de escrever os seus nomes nos cartuchos de video game, para não ter erro, mesmo. Era o fundo do poço. Dizem que Egoístas se reuniram num ritual suicida coletivo quando todos os video games decidiram fazer jogos em cd.

3 comentários:

ana disse...

egoexcêntrico
egonizando,

ana disse...

- agora você é parte dos meus dois pontos bárra bárra.

Saada disse...

e você se enquadra em qual grupo?confesse!